1 de agosto de 2015

Amar até o fim do dia ou pra sempre

Todo dia quando eu encerro o meu expediente, quero dizer, quando fecho meus olhos e decido dormir, eu me certifico de ter amado como se deve, todas as pessoas que me amam. A gente nunca sabe quando, e se vai ter uma próxima vez. Eu não estava mais conseguindo falar sobre isso. De repente ficou estranho falar, por que só de lembrar eu tenho náuseas. Me certificar de tudo, é uma maneira de sobreviver a isso. Dia 11 eu desci a serra, sábado. Infelizmente o motorista que levou o João Pedro e eu, se perdeu no Rio de Janeiro. Você deve ter se perguntado se eu não tentei usar o GPS, ou se eu já não estou careca de saber o caminho, bem, as duas coisas. Acontece que a minha operadora de celular escolheu aquele dia pra ter uma crise existencial e o motorista escolheu ir pela avenida Brasil, que eu fatalmente não conheço. Duas horas depois, estávamos na subida do Corcovado, lembro- me de ter gostado da ideia, quando criança, do Cristo morar "lá no Rio", afinal, todo mundo dizia que era perto. No fim de mais meia hora, depois de pedir informação no sétimo posto de gasolina consecutivo, depois de passar duas vezes ida e volta pelo Santa Bárbara, eu pedi ao motorista que retornasse para Petrópolis (por favor), por que todo meu controle psicológico havia se espatifado. Eu não dei ataque de pelanca, nem fui mal educada, nem o João, essa não é a nossa educação, só ficamos muito tensos, e eu decidi que eu não faria quimioterapia com tanta tensão dentro de mim. Chegamos por fim em Petrópolis e pedi pra tia Ana tentar reagendar e descemos no Domingo. Sem neura. Meus tios são demais. Meu acompanhante foi o meu namorado, o Daniel, parte da minha dupla, o homem que me conquistou e me surpreende todos os dias, além de meu amigo.
Quando saí do hospital, eu já estava enfraquecida o suficiente pra apenas dizer o necessário, meus tios deixaram ele próximo da casa dele e quando eu o vi descer do carro, lembrei de agradecer a Deus por ele me permitir respirar durante essa situação tão difícil. Minha tia ainda comentou: "Olha o andar dele!?", pra mim, aquilo soou como, "sei que você esperou muito por isso" e de fato, esperei; e o fato de ter acontecido justo agora, só reforça ainda mais o fato de que Deus, tem mesmo muito senso de humor romântico. Enfim, atalhando, no meio da estrada eu aprendi como vomitar na estrada. É fácil, você pede pra parar o carro, abre a porta o mais rápido que puder, se apoia na mureta de proteção e deixa acontecer naturalmente (como letra de pagode). Também me tornei íntima do saco de vômito nesse dia, quando na subida da serra, não teve como encostar. Eu pedi desculpas, por que é desagradável, não que tivesse desculpa. Mais tarde, em casa, eu repeti a árdua tarefa com o vaso, por mais umas cinco vezes (foi uma longa conversa, ao som de Wiz Khalifa feat Charlie Puth - see you again). Dessa vez, contudo, ganhei o bônus de uma queimadura no braço, é, o remédio queima as veias, ou quase isso, e deu uma pequena bolha no braço. Essa semana que passou, eu não consegui escrever sobre isso, simplesmente não consegui, embora sabendo que em algum momento isso seria muito necessário. Enfim, dia 25 eu desci de novo, o João Pedro (meu irmão), ficou comigo. Inspira e expira não funciona mais. O enfermeiro que me atendeu foi o mais atencioso até hoje, foi então que eu refleti sobre como o Cristo não habita numa estátua gigante, não que eu queira ofender os símbolos religiosos, eu só quero dizer que eu tenho visto Cristo habitando nas pessoas. Ele aumentou o remédio de enjôo, perguntou como eu estava me sentindo, cara, eu sinceramente quis alugar ele, mas não fiz isso. No meio da coisa toda, eu familiarizei o meu irmão, o enfermeiro e uma sala com vinte pessoas, com o meu vômito, e pensei: "tem um microfone? Acho que é mais fácil pra pedir desculpas", por duas vezes. Não vomitei mais nesse dia, o que me deu mais espaço pra refletir no quanto eu sou grata, principalmente quando o enfermeiro se preocupou a ponto de trocar o remédio de veia, pra não queimar demais o meu braço. E não falo só dele. Falo da minha mãe que me abraçou quando eu cheguei do Rio e me segurou pra eu chorar. Por que as vezes palavras não querem dizer droga nenhuma, e eu as vezes, sinceramente, me canso delas. Falo do João Pedro, que eu vi nascer, que eu segurei no colo e cuidei, e hoje, ele está me vendo nascer, me segurando e cuidando. Falo do meu pai, que sempre me faz rir, em qualquer momento, em qualquer hora, que sempre acorda muito cedo pra me levar até a rodoviária, mesmo que no dia anterior tenha trabalhado muito ou ficado até tarde na igreja, cuidando de pessoas que nem são da família dele, falo de cada tia e tio que estão sempre me visitando, se dispondo, aconselhando, abraçando, falo das minhas avós que oram e fazem coisas gostosas pra eu ficar gorda. Falo dos meus amigos, que não me abandonaram e falo do meu namorado que sobe a serra todo fim de semana, por que é importante pra ele participar desse meu momento, tanto quanto de qualquer outro, e quando alguém sai do próprio mundo pra entrar no seu, você tem que respeitar isso, isso merece total atenção. E então, é o que eu estou fazendo, é o que eu disse no começo, eu me certifico de que eu estou fazendo as escolhas certas, porque embora eu tenha recebido esta segunda chance, isso não seria válido se eu estivesse fazendo as mesmas escolhas de sempre. Eu vi um filme em que o personagem dizia pro filho: "As vezes tudo que você precisa na vida, são 20 segundos de coragem constrangedora". Eu não escrevo esse texto em 20 segundos, mas demora 20 segundos pra ele ser postado, e eu sempre preciso de coragem, por que é constrangedor, de certa forma, revelar todas as particularidades de um momento que poderia ser só meu. Mas a partir do momento em que resolvi fazê- lo nosso (momento), é como se eu tivesse dizendo ao mundo que eu posso lidar com isso, mesmo sem estar pronta, mesmo querendo chorar desesperadamente, mesmo podendo desistir, eu posso seguir em frente, independente de resultados, EU ainda posso acreditar. Eu lembro que uma vez, conversando com a Gabi (minha amiga), há uns sete anos atrás, eu disse pra ela que eu não queria passar pela vida sem deixar minha marca, disse que eu teria uma história pra contar. Taí. E não é que eu tenho? E é com isso que eu durmo, após fazer uma pequena prece a Deus, agradecendo pelos milagres. Eu durmo tendo certeza, de que, se esse for o meu último dia, eu fiz as escolhas certas.

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