7 de maio de 2015

[Ainda sinto o perfume dele]


Tentei fugir de cheiros que lembrassem o seu, prendia a respiração. Mas é inútil fugir de alguma coisa quando ela está enraizada e nos corrói. Que saudade eu tenho de sentir teu cheiro, tocar teu rosto, e numa tentativa muda, tentar te fazer parecer menos cego... mais real. Menos sério, menos frio. Minha tentativa de te trazer pra superfície, foi o meu maior erro. Eu devia saber que você foi feito pra viver mergulhado. A superfície te sufoca, a verdade te enlouquece. E meus olhos tão certos, tentando descobrir no teu mundo um lugar seguro. Eu deveria saber que me chocaria contra as suas pedras. Mesmo sabendo o que não pode ser, mesmo sabendo que a água nunca pega fogo, acreditar ainda é possível pra mim. Isso ninguém me tira. Mesmo chocada contra as rochas e lutando pra não chorar toda vez que sinto o teu perfume. Mesmo que eu saiba que você e eu escolhemos caminhos opostos ou distintos. Eu ainda acredito em você, eu ainda sinto a tua distância tão presente dentro de mim e ainda sinto o teu perfume.

PETER VAN HOUTEN, Uma aflição imperial

Enquanto a maré banhava a areia da praia, o Homem das Tulipas Holandês contemplava o oceano: — Juntadora treplicadora envenenadora ocultadora reveladora. Repare nela, subindo e descendo, levando tudo consigo. — O que é? — Anna perguntou. — A água — respondeu o holandês. — Bem, e as horas. 

Crônicas de um sábado sozinho

Eu me levantei muito cedo, antes do barulho dos carros, das pessoas com pressa. Olhei a rua vazia e andei devagar, saboreando uma paisagem difícil de ser vista às duas da tarde. Um milhão de coisas passaram na minha cabeça até que eu pudesse apreciar o primeiro gole do meu café. Uma delas foi a solidão. A solidão é sempre uma em um milhão. É como eu defino. A calçada vazia me deu mesmo a impressão de estar sozinha. Olhei pro céu em tempo de ver a casinha do João de barro em cima do poste. Nada demais eu diria... esse dia não guarda nenhuma surpresa. Mas quem pode dizer que não há beleza num dia normal? Um dia normal, um café normal, um bom dia ou dois. E a beleza está nos olhos de quem vê. O extraordinário mora no olhar simples e desinteressado. Por isso eu sempre brindo às coisas pequenas e simples. Por que essas coisas sempre possuem o poder mas grandes mudanças. Então... um brinde ás manhãs tranquilas e solitárias, ao João de barro que é um bichinho inteligente e a pessoa que fez meu dia especial com um abraço apenas. Por que a solidão até pode ser uma em um milhão mas as pessoas que quebram o ciclo solitário também são únicas.

Algum destino


Os olhos estavam fixos em algum lugar do futuro. Ela olhava impaciente para a porta, a porta pelo qual seu destino entraria. Sua mente passeando por lugares que ela nunca foi. E ela se rendeu sem se dobrar aos sonhos tão bem elaborados, sem nem se quer desconfiar que o destino a tinha em outros planos. E a luz continuava entrando pela porta, o sol aquecido entrava com a leve brisa do som de mais uma manhã. Pequenos feixes de luz encharcavam seus olhos recém acordados, feixes brilhantes e coloridos enchiam o quarto de luzes multicoloridas. Era possível ver em sua estante todos os livros que ela não leu e todas as coisas que ela escreveu. E era possível vê- lo bem ali encostado na porta, sorrindo. O destino havia lhe preparado nada mais do que uma maravilha. Algo que a fazia pensar que aquela vida existia sem existir. Algo que ela nem se quer podia em mil anos mostrar totalmente em gestos ou palavras. Algo só dela, só dele.

Petrópolis, 26/02/2014, 4:40am, só esperando o sol nascer...


Sigo tentando entender por que estou acordada a essa hora. É cedo demais pra qualquer coisa, até para... a gente estava falando de quê mesmo? Ah sim! Estar acordada. Talvez eu até devesse ler o meu horóscopo... mas eu não acredito nessas coisas. Ano passado por exemplo, o horóscopo disse que: "você vai encontrar o grande amor da sua vida", pelo menos umas 17 vezes. Não encontrei nenhuma vez, quem dirá umas 17. Mas quanto ao planeta regente mercúrio sambar na minha desgraça, isso já não contesto. É um fato. Não, o texto de hoje não tem uma lição de moral (mentira), estou com muito sono pra formar um pensamento coeso. Isso é um blog que inicialmente tinha uma coluna diária, uma pauta coesa. Mas a coesão daqui acabou tem uns quatro meros meses. Não me façam perguntas difíceis, não vou responder o por que. Nas palavras do Sid da animação, Era do gelo: "nós somos uma família, dignidade não tem nada haver por aqui". Sim, isso é pra mostrar que eu também sei citar coisas. Niels Bohr por exemplo, disse: "a vida é tão séria que precisamos rir dela". Eu concordo com ambos. Um personagem de desenho e um físico ganhador de um prêmio Nobel podem saber muito sobre a vida. Eu sei que, não deveríamos ser obrigados a dar repostas que não temos e nem acordar tão cedo. Eu só tenho uma expressão pra definir isso: "é uma meleca". Posso dividir uma coisa íntima?- lógico que posso, é meu blog pombas! rsrsrs- lá vai: meu celular não escreve palavrão!! Quando eu quero por exemplo, escrever um palavrão de primeira linha ele sai assim: "Baralho!" Quando é uma coisa mais leve tipo cacete, ele escreve de cara,"Abaeté". E vocês devem estar se perguntando por que no mundo eu estou falando tanta asneira. Tudo se interliga. Pode parecer que não. Mas me deixa mostrar a lógica. Eu comecei o texto perguntando por que alguém acorda tão cedo, demorei exatos 30minutos pra escrever até aqui. Disse sobre ler o horóscopo e o fato de mercúrio sempre sambar sobre meu caos preexistente. Citei dois personagens que fazem todo sentido e acabei de falar sobre meu celular nunca escrever palavrão. Eu poderia dizer que o futuro de tudo é um copo de café, mas na verdade o que eu quis dizer com tudo, é que leva um tempo pra acordarmos pra vida, que nós não somos os únicos donos da verdade, e não somos obrigados a ter repostas, que a felicidade é uma escolha, assim como as pessoas com quem convivemos, que as vezes as coisas dão errado de uma maneira inexplicável e isso não é o fim do mundo,(nem culpa do mercúrio), por que as vezes uma coisa dando errado significa dez dando certo e as vezes nós só sabemos ficar com os nervos à flor da pele enquanto escrevemos ou falamos um palavrão de primeira ou terceira classe. Nessas horas, dou graças a Deus pelo meu celular manter a educação verbal que eu geralmente não tenho. Pode ser que eu precise aprender que leva mais ou menos uma hora pra achar a coesão dos meus fatos importantes da vida. Enquanto isso, vou acordando cedo, nada como a luz do dia pra clarear as ideias adormecidas.


Então, bom dia!


P.S.: Ah sim, saímos do recesso, quatro meses é tempo suficiente pra se recuperar de qualquer coisa
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Castelos de areia


Quando você estiver cansado de construir castelos de areia, quando suas mãos estiverem machucadas demais por quebrar tantas pedras, quando você não quiser mais encarar ninguém e seu corpo estiver cansado demais da vida, quando cada passo dado causar um cansaço e um peso a mais na alma, ...lembre- se dos sorrisos que já foram dados por coisas tão simples. Quando o mundo inteiro pesar complicadamente contra suas costas e isso drenar todas as suas forças.. lembre- se daqueles que te amam, existem pessoas que agradecem por você respirar. O amor é a força mais poderosa do mundo. Ele é o vínculo da perfeição quando tudo parece escuro demais e confuso demais. Ele é a força que brilha antes de cairmos no abismo. Ele pega em nossas mãos cansadas e nos salva. Nos momentos em que não conseguimos erguer nossa cabeça e lutar, bem, isso não é uma vergonha, não querer é diferente de não conseguir. É nessa hora que a vida nos apresenta uma chance. Uma razão. Então descobrimos que embora não tenhamos tudo, ainda temos o bastante pra fazer uma prece e agradecer. Por que embora a vida inteira seja dura, ela também é breve demais pra ser gasta num mar de dores. Então sorria, e mesmo que a felicidade não seja uma completa verdade, lute, lute até que seja. E quando for, agarre, agarre com as duas mãos e viva isso, e não importa o que aconteça, nunca solte. E não importa se caminhada for solitária e a rua estiver vazia, não guarde seu coração numa caixa, continue com ele nas mãos, por que é como me disse uma sábia mulher: "filha, um dia alguém vai aparecer e vai, além de nós que já te amamos, merecer tudo de bonito que você tem dentro dele." Ela me disse isso por que ela achou a felicidade... e nunca mais largou. Ela não olhou as circunstâncias, ela foi feliz e nunca olhou pra trás.

A História de Miss Grey



Estrelas se multiplicavam no céu enquanto ela se perguntava: "E agora?" Em que poças poderia se afogar? E em qual delas se molharia mais?! Assim era miss Grey. Nunca via o céu azul. Ela caminhava sem expressão, corria sem suar. Os cabelos sempre bem arrumados, seus mundos sempre bem alinhados. Assim como seus sapatos engraxados, assim eram suas ideias. Opacas e práticas. Nenhuma bagunça, nenhum imprevisto, e nem era notada, passava despercebida pelas poças d'água. Sem sol, sem arco-íris, sem expressão facial sem quase nenhum sorriso e sem dúvida, nenhum sentimento. Assim era a pobre miss Grey, só conhecia o cinza e o preto, só conhecia pessoas vazias e noites sem graça. Então a pergunta voltava na mente enquanto as estrelas coloridas cintilavam ao redor: "E agora?" Perigosas portas se abriam em sua mente e estrelas cadendes cheias de cor dividiam suas ideias, elas invadiam o brilhante controle, transformando tudo em um precioso caos. Ela corria como o vento, fugia do acaso, o cinza era sóbrio e o preto era estável. Deus não aprovava cores. E ela só gritava por dentro: "E agora?", e toda noite o brilho colorido das estrelas vinham encher suas frágeis convicções, estrelas multicoloridas formavam uma fina camada de névoa, se miss Grey fechasse os olhos, poderia até voar. Apesar disso e por causa disso, sentada naquele banco de jardim, olhando a camada colorida, e o castelo, ela chorou. Pela enésima vez sentiu- se só. Pequenas estrelas escorreram dos seus olhos e caíram no chão fazendo brotar pequenas flores que ela não viu. Seus sonhos tão organizados também eram feios e estavam quebrados. Foi nessa hora que o suor molhou sua testa levemente pela primeira vez. Pequenas faíscas coloridas saiam do seu coração, ela estava cansada de dizer não. Afinal, ela tinha esperança e afinal não era tão cinza quanto se esperava, foi então que Miss Grey viu tudo ruir. Seu mundo tão equilibrado parou de girar. Ela tentou segurar com as mãos o que nem o coração podia prender, amarrou com cordas o que a tempestade podia levar. E fez uma prece. Mas já era tarde, e ela não sabia que pra brilhar era necessário primeiro, perder energia e assim como uma estrela cadente, seu pequeno universo ruia. Miss Grey que estava a beira do precipício, sentiu toda a vida em cor. Na perda, nos ganhos e em cada mudança, ela sentiu o amor. Então ela desistiu de lutar, abriu os braços e simplesmente voou. Miss Grey nunca mais foi a mesma. Estrelas nebulosas coloriam seu estado cinza, e ainda que tivesse medo, ainda que desconfiasse, mesmo assim ela ainda iria voar, mesmo com o coração partido. Na verdade ela bem sabia que se o coração não se partisse ela jamais teria visto o brilho colorido de tantas estrelas. E agora? Agora esperamos... se olharmos bem para o horizonte, um pouco além da montanha veremos que miss Grey está sentada, ela sorri, está esperando o que só uma miss Grey esperaria.

6 de maio de 2015

Quem disse Berenice?


“Ãhhhn, eu comi tudoo”, foi a minha exclamação ao olhar a caixa de bombons finos de avelã que ganhei do meu pai. Doze bombons finos de avelã, num espaço de 1h. Chocolate, pra quê te quero?! Berenice diria que é necessário. Quem disse Berenice!? Mas afinal, quem é Berenice na noite? (Vou contar), reza a mitologia grega que Berenice era rainha, esposa de um rei egípcio chamado Ptolomeu III, o homem ia pra uma guerra(coisa típica de homem bonito), então ela ofereceu sua linda cabeleira para Afrodite (coisa típica de mulher apaixonada), se em troca o Ptolomeu retornasse a salvo. Pois bem, ele retornou inteiro e sarado, e Berenice logo após, desapareceu misteriosamente. Segundo (ainda) reza a lenda, o astrônomo da época disse que Afrodite se agradou tanto da oferenda que levou Berenice pra residir no céu (coisa típica de melhor amigo cúmplice que quer ajudar a esconder que o outro amigo foi abandonado por uma mulher). Então hoje, Berenice é alguém na noite, sua cabeleira encantada é uma constelação do hemisfério norte (que coisa, não?). Enfim, gosto de mitologia, gosto de comédia e de chocolate, também gosto dos homens, alguns exemplares bem que estão fora do mercado, mas são uma graça. Vamos lá, sou conhecida pela minha boa capacidade para o deboche, mas não estou debochando dessa vez. Sabe, to de saco cheio de homem sarado e bonito. Não estou falando de conteúdo nem inteligência, quem sou eu..., estou falando do que Berenice fez. Homens fazem coisas de homens, isso é um fato, deixam toalha molhada na cama, ou não, saem pra tomar cerveja com os amigos, ou não. Fazem guerras, são machos, e a maioria nem liga se oferecemos nossos cabelos em troca deles ficarem sãos e salvos. Sabe aquela música que você dizia que era de vocês dois e que agora você não consegue ouvir por que vocês terminaram e você diz que ele estragou a música? Talvez você estivesse cantando a música pra pessoa errada. Uma vez eu levei seis meses pra me dar conta disso, ele estragou uma play list inteira, por que além de lindo como um pôr do sol no outono do mediterrâneo (coisa de novela mexicana), ele também era romântico e sarado. Ah, cansei! Os homens bonitos estão exigindo muito trabalho. Temos que dizer sempre que estão lindos, elogiar suas roupas, seus músculos, temos que malhar com eles, e comer comida orgânica (Deus me livre, até gosto de alface, mas nem tanto!), e temos que ser igualmente perfeitas como um pôr do sol em qualquer lugar entre o aqui e o agora, com cinco metros de simpatia e o velocímetro da Tpm desligado, de preferência, temos que ser independentes não carentes e filiadas ao clube de mulheres bem resolvidas da cidade, e temos que sair regularmente com as outras mulheres filiadas ao clube da cidade pra não perdermos a última novidade em peeling facial do mercado (valha me Deus, amar dá trabalho, e ficar bonita dói! Depilação dói, tirar a sobrancelha dói, fazer cutícula as vezes machuca). Então eu pensei enquanto lembrava da história da Berenice: “Berenice foi é embora, ela juntou as “troxa”!!! “Tava” de saco cheio de peeling facial e largou o chato do Ptolomeu, isso sim! Ptolomeu estava malhando chamou ela, o que ela disse? “Quê que é!? De novo? Homem chato, sai daqui, me “dexa”!!”. E sabe, na antiga Grécia havia essa coisa ridícula né? Era um tal de fulano “o Belo” pra cá, cicrano “O Forte pra lá”, e no Egito também, “Rei segundo de tal amado de Rá”, “fulano não sei das quanta, querido de Anubis”, e nós meras mortais, somos obrigadas a nos render ao culto interminável á beleza. E os padrões só sobem, já fui rejeitada por ser magra e não ter a bunda do tamanho exato. Desculpa se meu quadril não é ... qual é mesmo a medida padrão? Acho que 12 bombons finos de avelã podem dar conta do recado. Mas eu cansei de homem lindo e sarado, já dá trabalho eu escolher meu próprio shampoo, tenho que ajudar ele escolher um pra ele? Ah desculpa, eu quero um homem e não alguém pra dividir o secador de cabelo comigo. Se quer ficar comigo, tenha suas próprias ferramentas, é o mínimo. E saiba trocar um chuveiro. Não é a atoa que Berenice tem razão! Quem disse hein, Berenice!!!! (hahahaaha!!!) , 12 bombons..., ah me mata!!!! Vou ali comer um cookie.


(ai a tia pergunta:
-E os "gatinho" filha!?
-Comi tudo tia! Comi tudo!)

4 de maio de 2015

Egoísta


Eu acordei, tomei café, estava ventando muito e minha mãe estava preocupada com o fio de alta tensão que estava dando curto por causa de uma bananeira, do outro lado da servidão. Ela gritou a vizinha do lado, o vizinho do outro... e eu sugeri que pudéssemos ligar pra agência de energia. Pois bem. Resolvido. Tentei trabalhar um pouco, mas não tive criatividade pra desenhar. Sentei no sofá da sala resignada com um livro nas mãos, aproveitando a luz do sol, fraquinha. Também não consegui ler mais do que quinze páginas. Fui pra cama e agarrei meu travesseiro e fiquei agarrada a ele por uns dez minutos, com os olhos arregalados. Acontece que acordei querendo ser muito egoísta, egoísta ao ponto de ser muito mundana. Me senti péssima por isso. Mas queria não ter que responder coisas nem ter que lidar com coisas, e ser malvada por completo por um momento, mas muito mais do que a educação que meus pais me deram, deve ser uma questão de caráter não conseguir fazer isso. Mas eu bem queria viu? Ser muito egoísta, mundana, malvada, e não me importar tanto, não querer tanto, e não me sentir mal por isso. Acontece que hoje eu nem estava afim de ouvir verdades, nem mentiras, nem desaforo de ninguém. Queria apenas ficar abraçada com meu travesseiro, com os olhos arregalados, me escondendo, sendo um pouco covarde, só pra variar. Mas não consigo ser condescendente. A verdade é que todo mundo as vezes quer sumir um pouco, fechar os olhos e se imaginar em outro lugar, em outras situações. No fim das contas eu me lembrei da minha mãe tentando alertar os vizinhos sobre o fio de alta tensão. Lição grátis do dia. Se ela tivesse sido egoísta, alguém poderia se machucar. Tá, tá, entendi, ser egoísta é feio, ser legal é bom.

2 de maio de 2015

Fúria - [série: Ainda sinto o perfume dele]


A maior parte de nós, não é a aparente. É a parte que as outras pessoas sentem. A parte intocável com as mãos. Aquela somente vista, com os olhos do coração. E ela olhava o céu naquela tarde, o céu manchado de cor de abóbora bem além do horizonte, até onde podia enxergar, e uma única estrela brilhando. Ela desejou ter uma máquina fotográfica com a qual ela pudesse capturar o momento, mas se contentou em deixar o trabalho para a memória apenas. O silêncio da noite que se iniciava, fazia com que ela quase pudesse reverenciar os sons da natureza ao seu redor, um grilo cantou não muito longe dali, parecia reger o coro dos grilos que cantaram depois dele. Os pássaros da noite ou qualquer animal que estivesse ali por perto, ela imaginou, ou se preparariam pra dormir, ou acordariam pra caçar, "pequenos animais silvestres", ela pensou num sorriso opaco. E ela ali, parada no meio de uma tarde/noite, só queria xingar. Ela devia xingar, queria muito explodir, dizer que ele era um cretino covarde, que não tinha nada a ver com as merdas dele, as merdas do passado.Ela não havia feito parte do passado, pelo menos não até os últimos meses, mas o turbilhão de coisas em sua mente a impedia, e haviam as malditas convenções, coisas que se fazem por educação, os padrões vinculados ás normas usuais, aquela educação fria que ela mantinha como uma barreira toda vez que era magoada; o olhar frio, a voz fria, os gestos calculados, ela até ficava mais elegante, ainda que ficasse menos espontânea. Esse era o seu jeito de lidar com o caos. Ela ordenava e resolvia tudo em sua vida de maneira educada e muito eficaz. “Mas não dessa vez”, pensou ela, dessa vez tudo era diferente. Ela havia encontrado alguém que mudara seu mundo, virando- o do avesso e a deixara com os cacos, era daí que vinha a persistente vontade de gritar, de perder o controle nem que fosse uma vez e xingar algum palavrão; se ela conseguisse. Ela continuava a olhar o céu que escurecia com a chegada do anoitecer, parou de ouvir os grilos e agora ouvia seus próprios pensamentos, ela passou as mãos pelo rosto que as vezes parecia esculpido com mármore, e suspirou. O que pode ser feito, quando num momento odiamos a quem mais amamos? Ela não havia se dado conta daquela importância. Coisas importantes as vezes passam despercebidas, até que começamos a tomar atitudes inconscientes em função delas, e escondidas dentro de nós, elas se mostram como atos, olhares, pressa, desespero, coração descompassado, fúria. Aquele ressentimento não era pra vida inteira e ela sabia, os homens, alguns em específico, ou somente aquele, poderiam e deveriam cometer erros, mas ser “deixada” daquela forma era algo mais do que cruel. Não saber nem o motivo a enfurecia de uma forma tão bruta, tão visceral, que a simples menção do nome dele a deixava enjoada, aborrecida e contrariada com tamanha covardia. Tanto que as vezes ela queria socar o ar onde sentia o perfume que ele usava. Mas isso, era passageiro, ela gostaria de saber o que fazer com o depois, com os sentimentos que sobrassem após toda a fúria. As vezes as pessoas se escondem por não saberem lidar com os sentimentos, as vezes fogem de si e dos outros quando esses sentimentos afloram, e negam qualquer comprometimento. As vezes, machucadas pela vida, iniciam um relacionamento frívolo na esperança frugal de obter um escape para seus fantasmas, mas sem se aprofundar no outro, alheios a tudo, apenas sentindo a diversão. Outros, são apenas seres cruéis que pensam serem boas pessoas, se apaixonam e fogem quando são correspondidos, porque não querem ser abandonados, então, abandonam primeiro. Ela pensava em todas essas possibilidades, havia gasto horas de seus dias pensando em não pensar, tentando esquecer. Em alguns momentos até sentia compaixão, mas naquele dia ela havia acordado furiosa com tamanha covardia, furiosa com a covardia do ato e da pessoa covarde. Um nó na garganta lhe atravessava o peito, e tudo que ela pensava era em xingar, bater, chorar, extravazar. Não era mais dor, era pura fúria, que ia e vinha dentro de seu coração como uma força da natureza. Então, ela fechou os olhos novamente, aquilo não tinha solução e ela não gritaria, e de qualquer forma, poderia lidar com aquilo, sabia que podia. Seguiria o plano original e resolveria... mas espera, o que não tem remédio, remediado está, não é assim? Seria educada por fim, e apenas. Tudo que ela desejava agora, com o horizonte ainda ao alcance de sua vista, numa oração muda, é que em algum lugar além daquele azul escuro, agora cravejado de estrelas, alguém tocasse com gentileza num lugar que fora tão devastado.