19 de junho de 2015

Um sábado dos deuses

Sábado, 13 de junho. 2015, 13h. E lá estava eu de frente pra privada, enfrentando todos os demônios. O enjôo começou rápido, como uma onda me levando pro fundo do mar. Antes de vomitar eu suei muito, tirei a blusa, e tremi de frio e calor, tudo junto. Então veio a primeira ânsia, vi meu café da manhã saindo junto com as minhas lágrimas espontâneas e o remédio cor de abóbora que fluiu nas minhas veias não tinha passado nem duas horas inteiras. Eu não sei direito o que me passou na cabeça. Eu bem gostaria de ter tido um pensamento digno de qualquer santo, mas na verdade, não tive nenhum que valha a pena reproduzir. A segunda vez foi mais devastadora. O líquido meio cor de abóbora chamado dacarbazina que providencia minha cura, cobra um preço caro. E la estava eu de novo, num profundo diálogo com a privada. O líquido quase cor de abóbora desceu (ou subiu, dependendo do seu angulo de visão), queimando meu canal nasal e minha garganta. Depois de tanta conversa fiada com o vaso, eu sentei no chão do banheiro e queria muito chorar, mas me senti tão seca diante de tudo, que me levantei, olhei meu rosto pálido no espelho e me obriguei a lavar o rosto e escovar os dentes. Olhei nos meus próprios olhos e mesmo sabendo que Deus tem sido meu escudeiro nessa guerra, não pude me furtar de pensar sobre como o câncer nos rouba certas dignidades. Mas eu tenho me recusado a baixar minha cabeça. Em qualquer momento, seja saindo do banheiro após vomitar, seja entrando ou saindo do hospital, eu mantenho minha postura de rainha digna, e me desculpem aqueles que pensam que eu deveria manter minha postura de humildade. Não sou humilde, sou verdadeira, indomável, e mesmo desesperadamente desestabilizada, passando mal, não me dobro, não fico mal humorada e não reclamo da minha vida. Talvez isso seja um tabefe na cara de alguém, e pra ser sincera, não to nem aí se ofende as pessoas os fato de eu conseguir falar do meu vômito de maneira tão aberta. De manhã cedo, ainda com remédio nas veias, a enfermeira me pediu pra pensar com carinho num cateter, eu não respondi nada audível, mas tenho certeza que meus olhos disseram: Nem a pau Juvenal. Ela continuou o discurso: Você está no meio dessa brincadeira, será que essas veias vão aguentar até o final? Mais uma vez eu apliquei o silêncio do "não argumento com pessimistas". Minhas veias vão aguentar, e sabe porquê? Porque elas são minhas, nelas está escrito: Sou Juliane. Eu aguento. É como ser um guerreiro e levar uma flechada nas costelas e ainda assim continuar lutando. E por que não? Felizmente as batalhas não têm sido solitárias, posso me gabar de ter ótimos soldados em campo, e frequentemente eu preciso de mais compreensão do que de força. Em dias como esse eu não consigo pensar com muita clareza e tão pouco me comunicar, não é egoísmo nem pragmatismo é pura desestabilidade. Não gosto de passar mal e não sei lidar bem com fato de conversar com a minha privada sobre coisas tão... Profundas que vêm das minhas entranhas. Mas estou pronta pra falar de amor (não com a privada). Ainda não estou pronta pra fazer quimioterapia. Mas faço. Passei o dia na cama, mais adormecida que a Bela adormecida. Foi um dia nulo. E enfim abri as portas do domingo com minha primeira refeição em 24h. O sentimento de estar vencendo é inconfundível e faz com que sinta realmente um membro da realeza, afinal, enfrentar a morte não é pra qualquer um.. É pra quem sabe conversar com privadas.

23 de maio de 2015

Segunda- feira

Da série: [se você pudesse me ler]
(isso é só uma coisa que eu queria dizer, como tantas outras que os outros dizem, se você pudesse me ler...).
Eu estou me preparando psicologicamente pra segunda feira. O que eu posso dizer? Que odeio agulhas? Que vão picar meu braço pelos menos umas três vezes antes de achar a veia certa? Que não quero colocar um cateter? Não quero colocar um cateter, a médica disse pra mim da última vez: “Ainda estão conseguindo achar suas veias? Vai chegar uma hora que eles vão pedir pra colocar um cateter.”. A única coisa que eu pensei foi numa futilidade sem fim: “Não quero mais uma cicatriz.”. Egoísta não? Sou humana, não estou pronta pra lidar com isso. Não é romântico ser cortada e costurada, ou ficar com pontinhos roxos por causa de picadas. Alguém tem que dizer (de novo), pra Carolina Dieckmam, que cortar o cabelo não é a pior parte, eu tive que dizer isso pra mim mesma, a tia Ana também me disse. Por falar na Carol, foi divertido cortar o cabelo (agora que acabou), acho que estou pronta pra falar disso (só não estou pronta pra falar de amor). Minha tia Ana me contou os bastidores: “Quando a Débora estava lavando seu cabelo, ela me mostrou o quanto de cabelo estava caindo e eu fiquei assustada; depois que ela cortou e foi fazer a escova, eu pensei que seu cabelo ia cair muito.”. Eu disse que estava caindo, é que eu sou muito educada pra falar as coisas também, eu devia ter dito: “está caindo pra caral.*&%$!” , não, o que eu disse: “tá caindo, é que tenho mesmo muito cabelo, e não cai como nos filmes sabe, não sai um tufo inteiro de uma só parte da sua cabeça, sai fios da cabeça toda”. Bem antes de me sentar pra lavar o cabelo eu avisei: “olha, não repara não, é que está caindo muito.”. Ficou aquela coisa no ar, tipo “todo mundo sabe, filha, mas ninguém comenta.”. Ela lavou, eu fiquei calada quase o tempo todo, e rindo de nervoso, é da minha natureza. Fico só pensando nas coisas. Então me sentei na cadeira pra cortar. Era a hora, não podia voltar atrás. Deu vontade de dizer: “posso ir ali ao banheiro ter um ataque de pelanca? Já volto!? Não?”. Mas convenhamos, eu já estava ali, o cabelo caindo, ela com a tesoura, nada de mimimi (não por fora, por dentro eu estava gritando). Pra uma mulher, o cabelo é uma parte muito importante do corpo, é a moldura fundamental. Onde vou passar a mão quando eu ficar nervosa? O que vou prender quando eu tiver uma boa ideia, por que eu tenho essa mania..., em que vou passar a mão quando um cara bonito me paquerar, (como se isso fosse possível)? Foquei num ponto qualquer e coloquei a alma no automático, por dentro, pedi pra ser rápido. Ela cortou a primeira mecha. Me senti com 10 anos de novo. Voltei bem no dia que minha mãe cortou minha franja e eu não queria mais usar franja, por que já era uma mulher. Quis ter 10 anos de novo e quis minha franja (bizarra) de volta. Ela não demorou mais que 30 minutos cortando, e lá se foi meu cabelo (meu cabeloooo). A conversa se animou, esqueci meus medos e começamos a falar mal dos homens e de como são lindos e gostosos, (que é o que mulheres fazem em banheiros e salões de beleza, e falamos do Christian Grey), uma moça chegou deu boa noite e logo soltou a pérola do meu dia: “Nossa que moça linda, você é modelo!?”. Pensei por dentro: “ah, pára!”. Sorri, e fui cortez dizendo obrigada. Minha tia logo disse que não. Nossa beleza é uma coisa de família. Quando a Débora terminou o corte eu me olhei no espelho, acho que suspirei, vi meus lábios enormes e meus olhos enormes, e de novo aquela sensação de estar enfrentando uma coisa nova me invadiu, quem era aquela ali no reflexo do espelho? O que eu mais havia detestado nisso tudo era a minha cara de doença. Ali no espelho eu vi a mulher que eu gostaria de ser. Eu sempre digo (pra mim mesma e amigas), que antes de amar um homem você tem que ser a pessoa ideal pra você mesma, e ali eu me senti assim: a mulher da minha vida. Por que raios eu sempre tenho que ver o lado bom de tudo? Por que eu tenho que dar razão pra droga do pensamento positivo? É um talento que eu tenho (kkkkk), e muita prática em sempre ser a última da fila, aquela que sempre toma banho de poça d’água, é necessário muito bom humor pra lidar com as adversidades e por algum motivo no universo, eu sou a pessoa. Olha, tem gente que vê o câncer como um bicho papão enorme, e eu admito, tenho medo pra caramba, mas ele não me intimida, é difícil lidar com o fato de que somos uma bomba relógio caseira, mas são muitos anos trapaceando o azar, tirei meu diploma. Ah, o cabelo. O meu cabelo é mais um preço que estou pagando pra ficar boa, mas teve um dia que eu meio que olhei pro céu, já estava de noite, e já tinha estrelas (a culpa não é delas, já que tocamos no assunto), mas eu questionei sinceramente “por que eu”, disse pra Deus que ficar careca já era demais, afinal, eu já estou magra, disse que talvez era a hora em que ele deveria rever o roteiro do meu filme. Daí me veio na cabeça o que Rumi escreveu: “Eu irei oferecer meu coração para aquele que está doente da mesma doença. Os doentes podem beber a mim como se eu fosse um elixir.” O meu cabelo é preço pequeno diante disso, se eu ainda puder sorrir ou escrever. Eu não encaro o câncer como o fim da minha vida, de qualquer forma, por que não sou que decido sobre a vida e a morte. Tem uma coisa que eu estou tentando dizer, é que, eu também não estou preparada pra fazer quimioterapia, mas estou lá de quinze em quinze dias, sorrindo. Quando a enfermeira não acha minhas veias, eu não reclamo, ela pede desculpas, acaricia minha mão e viramos boas amigas. Não é só vocês que se compadecem, eu queria muito dizer isso pra minha família, as vezes vejo que carregam esse fardo sozinhos, especialmente minha mãe e a tia Ana, dá pra ver nos olhos sabe, as pessoas ficam querendo tirar minha dor, infelizmente, e acho que elas também pensam assim, não é algo que passe com mertiolate (é assim que escreve?). As vezes nós, os doentes, também entramos numa onda de autocompaixão (acho que isso pode ser um tanto óbvio, ninguém é de ferro), tem dias que eu nem quero lembrar que estou doente, por que sou vaidosa, egoísta e por que eu sou um pouco fútil também. Minha preparação psicológica inclui meu remedinho de enjoo, sou chatinha quando fico enjoada, não gosto que me toquem, não quero que me vejam vomitando e sim, se eu puder, após vomitar eu retoco minha maquiagem, por que não estou pronta pra me olhar no espelho e  ver qualquer pontinha que indique que eu possa vir a fracassar. É uma coisa que todo meu ser faz em conjunto. Um equilíbrio total entre mente, coração, alma, espírito e estômago e/ ou fígado. E cortar o cabelo mexia com esse equilíbrio, agora eu acho que não mexe mais. Fazer “quimio” ainda mexe com esse equilíbrio, e tudo que penso é em não desequilibrar quem me carrega quando eu fico mal depois da sessão, é uma arte, eu concluí que viver é uma arte. E Rumi tem a completa razão.
“Seja como o sol pela graça e misericórdia
Seja como a noite para cobrir as faltas dos outros
Seja como a água corrente pela generosidade
Seja como a morte para a raiva e o ódio
Seja como a terra pela modéstia
Pareça ser aquilo que você é

Seja aquilo que você parece ser.” (Rumi, poeta sufi)

[Ainda sinto o perfume dele- Abismo]

Ela deixou a mágica escorrer pelos dedos, feito rio de lágrimas. Sabe, acontece de nos esquecermos da mágica, e então quebramos os joelhos do coração. Acontece de estragarmos a mágica, e então ficamos loucos. E acontece de estarmos finalmente prontos pra escrever um novo encantamento. Para o bem, sempre, mas nem sempre um bom encantamento é interpretado bem. E a mágica, (qualquer que seja), sempre tem um preço. Ás vezes a gente tem que ter coragem de abrir e fechar portas; infelizmente ou felizmente, ou ambos. O fato é que mesmo tendo certo poder, ainda é o universo, a vida, Deus. Existe algo além de nós tomando certas decisões a nosso respeito. Se temos mesmo que aceitar isso? Acontece que não dá muito certo remar contra a maré, nem sempre. Quando já tomamos todas as decisões, quando já fizemos todos os encantamentos, quando já sonhamos com tudo, só resta nos dobrar com resiliência e aceitar o que o universo e o Dono dele nos oferecem...; um beco, que nunca saberemos se é ou não sem saída. Perguntaram pra ela, se ela tinha um sonho de consumo, ela estava parada, pensou em responder Louboutins, Ferragamos e caviar, mas nunca conseguia achar um sapato que tivesse o tamanho exato de seu ego e nenhum vestido lhe vestiria á altura diante do seu sonho de ter a coleção completa de livros de uma edição bem antiga da Jane Austen. E isso queria dizer que eles teriam que ser velhos, não a ponto de caírem aos pedaços, ela gostava de livros velhos. Sabia que eles têm um cheiro parecido com o da baunilha? Dizem que o papel envelhecido tem uma bactéria que faz com fique com esse cheiro tão amável. E ela era a última das pessoas que ia numa biblioteca pra alugar livro. Isso a lembrava de como manter as coisas num nível bem simples. O menos complicado não significava o mais fácil, só era simples. Era simples aceitar quem ela era, o que ela tinha e pra onde ela ia. E isso era tudo que ela precisava. Mas agora ela estava ali, com mágica por todos os cantos, mágica desperdiçada, com preços a serem pagos. E o amor custava mesmo caro, ainda mais quando não era correspondido. O que ela faria? O que fazer quando o preço de um amor custa muito de ódio, raiva e desentendimentos? Por que o amor causava aquilo? Por que uma coisa tão linda custava coisas tão feias? Coisas tão caras pra ela..., não dava pra lidar com aquilo, ela precisava ir embora. Ela viu o olhar dele ao fechar a porta. Era decepção. Era vergonha o que ela sentia. Toda vez que se aborrecia ela passava por esses estágios de não saber o que fazer, mas sempre se controlava, era comedida, perfeccionista, nunca havia deixado que um aborrecimento a deixasse naquele estado, mas naquele dia em específico, só conseguia agir por instinto, e num ataque passional, só deixou toda sua vida pra trás, como explicar isso? No entanto, a decepção dele não era maior que o desgosto dela. Ela suspirou. Será que ela era a única no mundo insatisfeita com tudo? Nada lhe agradava, detestava as festas, os vestidos a abominavam, as pérolas lhe davam ânsias. Sabia cozinhar para se virar, mas pra onde se virava existiam paspalhos sorrindo para agradar-lhe. Olhava seu anel de noivado agora. Também o detestava. Por fim olhou para si mesma e pra ele, e suspirou aborrecida. Se alguém te ama, não se ofereça como amigo. Não profane a mágica com um sentimento de desculpas. Apenas deixe a mágica acabar e a outra pessoa se esconder. Não exponha um coração que não é seu. E assim ela pensava estática, decidia coisas sobre seu futuro. Não sabia por que, só tinha que ir embora. Viver talvez, e esquecer aquilo, mas ele insistia e insistia, e ela não queria pensar num por que, só queria fazer tudo de modo simples,por Jesus, não era capaz de lidar com aquilo. Por fim, ela até que aguentou muito, até que o universo a encurralou, ou você se deixa morrer pela mão de todos eles ou renasce por si mesma. Ela escolheu renascer. Não gostava de ser mártir, era muito egoísta pra isso. Quem faz mágica, afinal, só enxerga seu próprio benefício. E ela já viveria com um preço a ser pago, era o bastante. Não precisava mais dele, não queria o amor dele, muito menos sua amizade, ela o amava sem gostar dele. Ela fechou os olhos e o olhou dentro de seu próprio coração, e o convidou a se retirar. Mais tarde ao sentir o perfume dele, ela nada sentiu... E assim acabou a mágica na terra. Ela já não acreditava mais.

20 de maio de 2015

Na luta contra a segregação

Da série: [se você pudesse me ler]
(isso é só uma coisa que eu queria dizer, como tantas outras que os outros dizem, se você pudesse me ler...).
Vi um troço legal a internet hoje, de uma iniciativa não governamental que visa conscientizar as pessoas perante o governo, até postei mais cedo, para reivindicar os direitos das pessoas com câncer, esse assunto não pode ficar batido assim como os outros assuntos políticos que nos envolvem. É fácil assistir o jornal e ficar a par das notícias, certo? Mas e se podemos fazer algo? Assinar uma petição via internet, que seja?! Temos que pensar coletivo pra fazer valer o individual. Assim como eu estava comentando com meu pai esses dias, eu acredito que as igrejas tinham que ter um envolvimento mais efetivo dentro da comunidade que elas habitam, sabe, não apenas portas abertas, mas sem paredes também. A vida de uma pessoa pode mudar por causa de um trabalho de crochê, não só financeiramente, mas a nível humano, de dignidade. Eu penso que eu acredito demais no ser humano e peco por isso, enfim, acabo achando que as pessoas merecem credibilidade pelo simples fato de que possuem inteligência, sentimentos também. E eu penso que temos mesmo que mudar nossa visão de mundo. Deixar de olhar apenas nosso quadrado, nosso “inBox”, e olhar ao redor, deixar de olhar apenas o “eu existo”, o “eu sou isso ou aquilo” e ver que no mundo “existem” mais pessoas que são “isso ou aquilo”. Dentro de uma família não existe só um pai, é um nicho, pessoas possuem características diferentes e habitam no mesmo lugar, é fantástico! Seria mais fantástico ainda se eu olhasse pro outro e visse as qualidades dele somada ás minhas. Eu não sou expert, mas dá caldo! Eu sempre acreditei que o diferente quando se junta, se torna extraordinário, talvez pelo fato de não ser muito ortodoxa, ou de não aceitar bem o termo “diferenças”, não adianta, não é uma coisa que eu consiga encaixar na minha lógica. E é nesse ponto que eu quero chegar, a sociedade nos separa por classe, cor, função, peso, estética, posição monetária, condição de sáude... de quem é esse poder e porque? Não me enxergue mal, não sou socialista, (não que seja ruim ser socialista, é que eu prefiro o capitalismo, aliás por questões muito egoístas, eu admito. O quê? Não sou perfeita.), pelo contrário, mas não é uma questão de senso comum? Talvez eu esteja errada, e até aceite correções. Por que as minhas roupas, a minha cor e minha posição monetária, ou minha condição de saúde têm que ditar minha posição na sociedade? E por que em nome de Deus, nós ainda temos que ficar socando a cabeça na parede implorando pro governo dar uma melhor condição de saúde e etc., pra população? Jesus, Maria, José e o camelo se viraram muito bem numa estrebaria, mas hoje em dia a parada é outra. Certo? Os nossos governantes e até nós mesmos, nos separamos em classes pra facilitar os processos de “segregação” ou isso é só por maldade mesmo? E se você pensa que não estou usando o termo certo pra isso, vamos ver o significado da palavra segregar.
Segregação é o ato de segregar, de por de lado, de separar, isolar ou apartar.
Segregação é o processo de dissociação mediante o qual indivíduos e grupos perdem o contato físico e social com outros indivíduos e grupos. Essa separação ou distância social e física é oriunda de fatores biológicos e sociais, como raça, riqueza, educação, religião, profissão, nacionalidade etc.
Estamos de braços cruzados na luta contra o câncer, contra a violência infantil, contra a pobreza, contra a corrupção, contra tudo. E sabe por quê? Por que a novela das oito, diz que morar num barraco é legal. Vou te explicar, lá é cenário, lá não mostra a falta de saneamento básico do básico, do básico que é o direito a uma privada com descarga. Não quero ofender o trabalho dos artistas, mas a arte imita a vida? Ontem na novela das nove, a antagonista é pega desviando verbas de projetos na compra de materiais que foram superfaturados, a outra que eu acho que deve ser uma protagonista antagonizada, disse o seguinte: “O problema não é você desviar dinheiro, o problema é pra onde você o mandou!” Eu não assisto, mas passei de relance nessa cena e resolvi parar pra pensar: “Que país é esse?!”, onde na TV se fala de corrupção e nada é feito, onde se fala do caos da saúde pública e nada é feito, onde pessoas são privadas dos seus direitos, segregadas, e nada é feito, por mera questão de status social, por dinheiro, por que você se acha bom de mais pra protestar, porque vai deixar sua imagem queimada com “os mano” se você reclamar? Você vai às urnas no dia da eleição e pronto, seu dever cívico está feito, você trabalha e paga seus impostos, tá beleza. Sério mesmo? Enquanto a crise não nos atingir é fácil cruzar os braços. Enquanto não somos nós os doentes, é fácil virar a cara. Enquanto não somos nós os violentados, assassinados, miseráveis e rejeitados, tudo ok. É por essas e outras que eu gosto dos artistas, eles botam a cara no sol. E nós? Nós damos boa noite pro William Boner e só? Olha, não precisa ir longe, na internet existem projetos que você pode participar, do lado da sua casa existe uma escola pública, um posto de saúde, não dói fazer uma visita pra quem precisa de um sorriso; já que você não pode mudar uma lei sozinho, não custa nada fazer uma campanha de doação de agasalhos e brinquedos, não machuca fazer um mutirão de reforma de casas, no próprio bairro; não custa nada montar uma cooperativa que ajude diversas pessoas na sustentabilidade delas, incluir as pessoas dentro de uma sociedade justa não tem custo algum a não ser o custo pessoal, que é algo que fazemos pelo bem coletivo. São as pequenas atitudes de amor e carinho que mudam o mundo.


19 de maio de 2015

Câncer

Da série: [se você pudesse me ler]
(isso é só uma coisa que eu queria dizer, como tantas outras que os outros dizem, se você pudesse me ler...).
Como eu ia dizendo, o câncer rouba muita coisa da gente, mas eu também sou trapaceira. Bom, eu acredito que ter qualquer doença não seja fácil, já tive resfriados em que não aguentei sair da cama, quem nunca? E sempre que ficamos doentes, bem, existe uma norma de conduta, se não sabe o que dizer, é simples, não diga nada, aos que sabem, meu “muito obrigada”. Desde meu diagnóstico eu passei por muitas fases... É difícil enumerar por ordem o que o câncer fez comigo, então vou mencionar o que em mim teve mais impacto. Minha primeira pior experiência foi o dia do primeiro diagnóstico, quando me disseram que era só um cisto, quisto, seja lá o que fosse, eu pensei, “a mensagem que meu corpo está me passando é de algo mais grave, alguém, por favor?”. Me vi em pouco sem saída. No dia meu pai ficou tão feliz que resolvemos sair pra comemorar, só um caroço pra ser retirado com uma cirurgia. Mas eu não me convenci, eu sabia que não era só aquilo. Guardei aquilo pra mim. Então o cirurgião me transferiu pra uma hematologista, (dois santos na terra). Logo depois veio a biópsia, não consigo me lembrar na minha vida, de um dia que tenha sido tão longo e cansativo como aquele, lembro-me de ter chorado muito, lembro-me de não ter forças se quer pra andar, lembro-me de três mãos apertando as minhas, a primeira da minha médica, que disse: “Ju, nós não vamos desistir, vou conseguir sua biopsia pra hoje ainda, nem que eu precise arrumar outro médico!”. A segunda mão foi a do médico que ela “improvisou”, ele segurou minhas mãos com as duas dele e disse que tudo correria bem. A terceira mão foi a do médico que ela tinha conversado pra fazer minha biopsia, ele tinha ficado preso na serra por causa de um acidente, ele pegou minhas mãos e disse: “Vamos lá!”. Durante certo tempo o câncer me roubou a cor, eu era apenas branca como uma folha de papel, e frágil, e ficar acordada durante uma cirurgia e saber que estão tirando uma parte sua pra te dar uma má notícia, não é legal. Hoje eu olho a cicatriz na axila, e admito, me incomoda, assim como as outras cicatrizes, a da biópsia da medula que é diferente da cicatriz da axila, é só um ponto na minha lombar, ela me incomoda, é minha lembrança de superação. Marcas de superação. Tem dias que eu preciso muito chorar. O câncer me roubou a autonomia. Sabe, eu montei toda minha casinha dos sonhos, morar sozinha é um barato! Andar de meias pela casa é um hobby pra mim, entre outras coisas que fazemos quando estamos no nosso lar e nenhum um outro lar é melhor que o seu, pois ele pertence a você. Aquele era meu lar, o lugar onde eu finquei as raízes da Juliane. Atingi o auge máximo que uma pessoa solteira ambiciona na sua autonomia, parei de lavar as roupas na lavanderia e finalmente comprei minha própria máquina de lavar; 8kg, com economia de água, chupa essa manga! A máquina só faltava falar! Mas como essa seria uma boa história de superação se eu não tivesse o amor incomensurável da minha família? Pusemos tudo num caminhão e lá se foi minha máquina pro sótão da casa da minha avó. Sonhos em conserva e devidamente empacotados, estes ficaram pra depois. A biópsia da medula. Putz, aquilo foi doloroso. Ficar na posição fetal sem ser um feto, e sabendo que vão usar uma agulha e o caramba pra pegar um pedaço do seu osso, não é legal. Eu estou magra, 10kg pra quem já era magra fazem muita falta, ossos quando batem, doem hahhaha, o caso é que não achavam o meu osso! Eu não gosto nem de lembrar, no lugar de dois furos, me fizeram cinco. E a anestesia? Não me lembro dela ter feito muito efeito. De um a dez, a escala da minha dor foi 9.9, o dez eu guardei pras inúmeras vezes em que ainda vão furar meus braços com agulhas. Quando eu olhei pro médico lindo que fez a biópsia de medula, eu estava chorando copiosamente, tive a impressão que ele queria me pedir desculpas. Ele era lindo mesmo, moreno, nem tanto, barba por fazer, nem tanto, alto, voz de locutor de rádio, (meu número kkk), eu chorando de dor, me senti estúpida, não por ele ser lindo, mas por eu sentir dor. Nunca esperamos que na vida, certa dor nos está de certa forma, de algum modo, em algum momento, predestinada. É disso que eu me lembro de quando ao longo que desses meses encontrei várias pessoas no meu caminho, umas realmente me apoiando, outras apenas curiosas, umas outras educadas, umas poucas sem palavras, e bem... Algumas, realmente idiotas. Ouvi certa vez o seguinte: “Essa doença é um pecado que você cometeu. Peça perdão pra Deus que ele te cura”. Outra: “doenças como a sua são as mágoas que você tem guardadas, você precisa liberar perdão”. Como uma pessoa sensata lida com isso? De maneira sensata, eu suponho. Mas como eu não tenho mais nada a perder e sou uma sensata com requintes de lunática, e não me levem a mal, eu não esperei as frases serem terminadas, eu virei as costas literalmente, por que eu sou muito capaz disso e fui viver, eu sou desapegada demais as vezes. Já me taxaram de fria, mas sou pragmática. Pra que discutir com alguém que não nos conhece? No final, acaba sendo sensato, que sejam felizes com suas filosofias, a minha é, Deus não tem nada a ver com isso, meu corpo de defeito, deu zica mesmo sabe, a medicina explica, estamos tratando, se Deus quiser fazer algo através disso, não se preocupem, eu não estou preocupada, ele é o dono da casa. Então, onde estávamos? Sim, ter um câncer nível, estágio, fase  QUATRO (4) chame do que quiser, não é legal, assusta, é grave. É como estar na última fase do seu jogo preferido e saber que não pode dar reset e recomeçar na primeira fase, é como estar na tábua da beirada de um navio e lá em baixo o tubarão. Lidar com a morte todo dia, saber que pode ter uma embolia pulmonar e simplesmente deixar de existir, dá medo. As vezes eu tenho que chorar em silencio por causa disso, por que a sensação que dá é que ninguém vai entender realmente o que eu estou passando, que na verdade não é só um câncer, é a minha vida que eu estou agarrando, mesmo com câncer. Então, o câncer é meu, é um problema que eu agarrei com as minhas mãos e estou tentando resolver, embora seja plenamente amada por isso e apesar disso, e não tenho vergonha disso. E por ele estar dentro de mim, às vezes tudo se mistura. Perdi um amor, mas disso não vou falar, não sei quando, mas teve um dia que desisti, só desisti. Desistir dos cabelos. Não desisti, tenho que agradecer a Débora, mil vezes, por mil anos, por ter feito esse corte no estilo daquela garota Hanna Montana rebelde kkkk, qual é o nome dela? Nunca lembro, minha memória falha as vezes. Eu rezo pra não ser dramática, quero ser prática, mas as vezes eu caio nesse pecado do drama, e puxar seu cabelo e ver ele saindo na sua mão... não é legal. Eu achei que estava preparada pra isso, afinal, não estava. Eu chorei sozinha com um tufo de cabelos nas mãos por meia hora me imaginando feito um  “E.T.” com a cabeça lisa como um ... como o que? Eu não sei, não quis pensar muito, não quero pensar nisso, mas o cabelo, justo o cabelo que tá bem ali onde eu penso.. quase na minha cara. Então a gente tem que pensar que são coisas da vida, propósitos divinos e a nossa vida parada, e questionamentos surgem de todos os cantos da alma, e eles quase gritam: “Doente e careca, quem vai me querer?”,  “Vão me olhar com pena”, “Ou não vão nem olhar, vão evitar”, “Minha vida está parada e agora?”, “qual será o meu futuro”. Guarda isso, vou dizer a última coisa que mais me impactou e vou usar essa última questão só pra explicar por que não é necessário me desejarem mais força. Fazer tomografia, pet scan, exames de sangue toda semana, e os caramba, o procedimento mais simples de todos, envolve agulhas e meus braços e mãos, tenho marcas, e se eu não aguentar o tranco, bem, ultimamente eu choro. Chorar em publico não é comigo, sou do tipo que aguenta sorrindo, mas tem hora que não dá. Mas “tá de boa”. Quero falar da minha última quimioterapia, descer a serra de Petrópolis, entrar num hospital e sentar numa maca sabendo que vão furar seu braço e depois de tudo você ainda vai vomitar, não é legal. Dessa última vez me parece que vomitei minha alma. Fiquei até com medo de dar descarga e deixar minha coragem descer junto. Minha sensação essa semana quando minha mãe quis falar sobre a próxima quimioterapia, foi de náuseas. Eu escondi a bolsa, os sapatos e as roupas que usei naquele dia, por que parecia que eu estava sentindo o cheiro dos remédios e depois eu tive vontade de sumir por alguns minutos. No dia da quimioterapia eu fico mal, não dá pra andar, teve uma vez que vi as coisas em dobro, meu pai me segurava pra eu entrar no carro, e ele disse assim: “Põe seu pé dentro do carro filha!” e eu respondi rindo: “qual dos quatro?”, me pareceu engraçado. E bem, a medicação é forte, minhas veias dos braços doem, então é aí que eu penso: “Qual será meu futuro?”, é agora que você entende por que não precisa me desejar nada... Eu já tenho as minhas respostas, estou plena. Acredito que pelo menos uma vez na vida todos os seres humanos recebem a oportunidade de reconhecerem que são plenos e isso só acontece em dois casos, o primeiro, diante da vida e o segundo diante da morte. Eu recebi o dom da vida ao nascer dos meus pais (faço questão de ressaltá- los, tudo que eu sou vem deles, do dedão do meu pé até meu último fio de cabelo), usei esse tempo pra crescer e aprender muitas coisas, eu aproveitei tudo ao meu redor (dentro dos meus princípios, sem escrúpulos), e fui colocada plena diante da morte, mas eu fui (sou) tão amada, que na verdade não me importaria morrer, e a morte (embora me amedronte muito mais pelo desconhecido), eu acho que ela não suporta o amor, por que é o amor que tem me sustentado e acho que ela também não suporta as verdades de quando somos honestos (serei redundante e vou escrever errado srsrrs), “conosco mesmos”. E eu nem deveria ser tão pretensiosa, isso pra alguns deve ser até grosseiro da minha parte, mas bem... Estou plena em vida, descobri que todas as respostas que eu preciso pra hoje, eu já tenho, que tudo que eu sonhei, foi conquistado, que as pessoas que eu amo e que completam minha vida, já estão ao meu lado, e o futuro... É agora, meu futuro é a minha vida e a minha morte. E o câncer está indo embora dela, (segundo minha médica, Dra. Márcia, linda e simpática). Então, o medo na verdade é uma coragem, e devo apenas concluir que sou só uma pessoa com um sonho pra sonhar, e que se eu me misturar na multidão (que Deus me permita), nem vão perceber que na verdade eu sou uma trapaceira e enganei a morte.

Essa é a minha marca de superação.

7 de maio de 2015

Trecho de :[Alguém precisa acreditar no amor]


Ela tinha estilhaços nas mãos, olhava perplexa todo o sangue, que no entanto não vinha de suas mãos brancas e delicadas. O sangue vinha de seu peito. Suspirou fundo, o sangue vinha de seu peito vazio, pois ela acabara de rasgá- lo massacrando o próprio coração. Estava pálida quando caiu de joelhos e chorou. Ela tinha estilhaços nos olhos, seu coração descompassava, suas lágrimas vertidas eram puro sangue, o sangue contudo, não vinha própriamente de seus olhos, vinha de sua mente, pois ela estilhaçou a razão. Estava pálida, quando caiu de joelhos e sorriu.
Ela jamais precisaria amar com fragilidade outra vez, não seria mais amada por seus nobres e dignos sentimentos, pois o que era vridro se quebrou. E ele, ele jamais precisaria ter razão em tudo outra vez, não precisaria amar com desconfiança, nem pensar nas possibilidades, nas estatísticas. Pois o que era vidro.. .se quebrou. E quem pode, nas muitas cirandas da vida prever o amor? Quem ousa flagrar seus inícios, seus começos, remover suas pisadas, seus regressos? Logo o amor que dá meia volta, volta e meia... logo o amor que tu me tinhas, que era pouco, se acabou.
Ora queridos, nesse grande teatro que é a vida, ALGUÉM PRECISA ACREDITAR NO AMOR. Quer sejamos feitos de vidro, quer sejamos feitos de carne, alguém precisa se sacrificar. Pois o amor é o sobrevivente dos massacres que fazemos por querer alguém.

[Trecho de: alguém precisa acreditar no amor]


As vezes eu tenho vontade de correr... mas não agora, agora estou sentada com as mãos nas têmporas tentando entender. E as vezes eu até corro. Corro como se o meu corpo estivesse se esvaziando de tudo. Como se a mente estivesse vazia. E depois, só depois... eu choro. Choro por não acreditar mais em milagres e por todas as vezes que eles ainda irão me acontecer sem que eu peça.
Você já existiu sem existir? Já ensinou alguém a amar? Já ouviu o ritmo da chuva? Já esperou sem cansar? Já sorriu de tristeza? Tomara que seja rico... de todas as belezas... por que quando a escuridão toma conta de alguém... coisa mais triste não há. E é bom, vez ou outra, respirar.
E quando você tem uma coisa boa.. o que você faz? Você acha melhor largar? Se eu soubesse antes o que eu sei agora... mesmo assim... eu teria me apaixonado. Mesmo com cicatrizes, com coisas pra pensar... mesmo tomando um ônibus em outra direção... mesmo assim... com toda minha respiração presa no meu choro, eu ainda assim me apaixonaria. Pergunte para sua alma... ouça o seu coração... mesmo se você já soubesse de tudo... você também não se apaixonaria? Eu ainda fecho os meus olhos pra acreditar no amor. Ainda guardei aquela foto. E é triste ter que admitir... mais ainda te desejo aqui.
Você me empurra... pra dentro de uma queda livre... e você me machuca... vejo seu rosto perfeito na escuridão. E você sorri, sem a mínima intenção de me salvar. Então eu acordo no meio da noite. Você apenas disse não. E olhe pra mim... estou acordada no mesmo pesadelo outra vez. Ainda acredito no amor... e ainda lamento por continuar a acreditar em todas as coisas tão lindas... acontece... alguém ter mais amor do que o coração pode guardar. Mas faço dessa fé um lugar de onde eu posso me esconder... por que querido .. alguém precisa acreditar no amor.

[Ainda sinto o perfume dele]


Tentei fugir de cheiros que lembrassem o seu, prendia a respiração. Mas é inútil fugir de alguma coisa quando ela está enraizada e nos corrói. Que saudade eu tenho de sentir teu cheiro, tocar teu rosto, e numa tentativa muda, tentar te fazer parecer menos cego... mais real. Menos sério, menos frio. Minha tentativa de te trazer pra superfície, foi o meu maior erro. Eu devia saber que você foi feito pra viver mergulhado. A superfície te sufoca, a verdade te enlouquece. E meus olhos tão certos, tentando descobrir no teu mundo um lugar seguro. Eu deveria saber que me chocaria contra as suas pedras. Mesmo sabendo o que não pode ser, mesmo sabendo que a água nunca pega fogo, acreditar ainda é possível pra mim. Isso ninguém me tira. Mesmo chocada contra as rochas e lutando pra não chorar toda vez que sinto o teu perfume. Mesmo que eu saiba que você e eu escolhemos caminhos opostos ou distintos. Eu ainda acredito em você, eu ainda sinto a tua distância tão presente dentro de mim e ainda sinto o teu perfume.

PETER VAN HOUTEN, Uma aflição imperial

Enquanto a maré banhava a areia da praia, o Homem das Tulipas Holandês contemplava o oceano: — Juntadora treplicadora envenenadora ocultadora reveladora. Repare nela, subindo e descendo, levando tudo consigo. — O que é? — Anna perguntou. — A água — respondeu o holandês. — Bem, e as horas. 

Crônicas de um sábado sozinho

Eu me levantei muito cedo, antes do barulho dos carros, das pessoas com pressa. Olhei a rua vazia e andei devagar, saboreando uma paisagem difícil de ser vista às duas da tarde. Um milhão de coisas passaram na minha cabeça até que eu pudesse apreciar o primeiro gole do meu café. Uma delas foi a solidão. A solidão é sempre uma em um milhão. É como eu defino. A calçada vazia me deu mesmo a impressão de estar sozinha. Olhei pro céu em tempo de ver a casinha do João de barro em cima do poste. Nada demais eu diria... esse dia não guarda nenhuma surpresa. Mas quem pode dizer que não há beleza num dia normal? Um dia normal, um café normal, um bom dia ou dois. E a beleza está nos olhos de quem vê. O extraordinário mora no olhar simples e desinteressado. Por isso eu sempre brindo às coisas pequenas e simples. Por que essas coisas sempre possuem o poder mas grandes mudanças. Então... um brinde ás manhãs tranquilas e solitárias, ao João de barro que é um bichinho inteligente e a pessoa que fez meu dia especial com um abraço apenas. Por que a solidão até pode ser uma em um milhão mas as pessoas que quebram o ciclo solitário também são únicas.