Faziam quinze dias que eu não derramava uma lágrima. E graças a Deus elas vieram, eu estava sufocando dentro do meu otimismo. Sábado passado, minha médica aumentou o remédio pra náuseas intravenoso que é aplicado junto com a quimioterapia. Acho que nunca vou ficar pronta pra isso. E cá estou, escrevendo e chorando enquanto escrevo. Eu já tinha passado por tanta coisa antes do câncer. A vida inteira enfrentando minhas coisas difíceis (por que todos têm pedras nos sapatos ou pedras sendo jogadas nos seus telhados, é normal e saudável), tendo que encarar coisas na marra. Perdi a conta de quantas lágrimas como essas foram derramadas. Cheguei a questionar com o Santíssimo: "mas é isso mesmo? É desse jeito?". E por inúmeras vezes, em diversas situações, algumas pessoas nunca me deram escolha. Mas isso nem me importa, hoje as proporções são tão outras que hoje eu só queria meu cabelo de volta, minha geladeira, minha saúde, acordar me sentindo realmente bem disposta, sem remédio, apenas acordar, tomar banho e ir trabalhar, tomar um café, sentar na praça e ver o movimento. Era o que eu queria no último sábado enquanto eu vomitava pela enésima vez, e enquanto estava enfraquecida, eu fechei meus olhos chorando e imaginei outra situação, outra vida, outra minha vida, não a vida de outra pessoa, imaginei estar com meu namorado num lugar legal, pegando um sol, bebendo água gelada, sorrindo, com cabelo grudado no brilho labial de glitter. É difícil perder o chão tantas vezes, a gente fica imaginando se o poço é mesmo fundo, enquanto caímos. Não quero falar de Deus, muito embora a minha existência seja um traço da existência dele. Quero falar de todas as preces. Por que todo dia é uma oração. Uma oração que faço me olhando por dentro, num lugar onde ninguém mais me conhece e de onde tenho que tirar força pra terminar a minha jornada. Eu pensei que se eu morresse seria uma boa coisa pra deixar, minhas preces. Por que no final da vida, não importa mais nada, é só o que se leva. É a dracma que o barqueiro do outro mundo exige de nós. Uma prece ao divino pra que ele nos veja com misericórdia. Foi o que eu disse pra Deus quando eu me levantei do sofá pra ir ao banheiro no sábado: "Então, vamos acabar logo com isso. Deus me dá força. Tem misericórdia de mim". Eu não sei vocês, se estivessem no meu lugar, se chorariam, mas as vezes é tão solitário não chorar. A doença nos isola num mundo que só nós entendemos, e nós ficamos tentando agir como o resto da humanidade, sorrindo em meio a tudo. Mas tem dia, que realmente é um desafio de caráter. Por que você tem que se animar e tem que confortar quem te ama, por que eles sofrem vendo você tão degradado, acho que tenho mais compaixão por quem me ama do que por mim mesma, por que as vezes me pego estranhamente, encorajando a eles. Nessa hora eu viro pro canto da minha alma, e peço força dobrada, por mim e por quem olha pra mim. Por que um guerreio que se sente fraco diante da guerra, é realmente fraco. E é por isso que eu deixo aqui minha prece, pra toda mãe que carrega o filho doente, pra todo filho que precisa dar banho no seu pai, pra toda irmã que doa medula pra outra irmã, pra amiga que não sabe como ajudar, mas está lá, pro pai que só consegue chorar, pras avós que fizera promessas, pros enamorados que pegam no colo, pras tias que seguram as mãos. Vocês são a melhor oração que alguém como eu pode ter. Obrigada.
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