Bom! Recebo neste instante a sua carta escrita à luz de uma só vela – e tenho de retirar tudo, tudo, tudo o que escrevi! Pois acabou-se! Não retiro. A minha querida dizia no outro dia que devíamos mostrar um ao outro todos os estados de espírito em que tivéssemos estado. Mostro-lhe, assim, que estive hoje, ontem, antes de ontem num estado de impaciência por uma palavra sua, gemendo e queixando-me de «ne voir rien venir». E mostro-lhe assim o desejo de ter todos os dias, ou quase todos, um doce, adorado, apetecido e consolador «petit mot». (…) As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar; a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se amam se juntassem em tribos, acampando aqui e além, com as suas afeições e a sua bilha de água, and «settling down to be happy, anywhere, under a tree».
Cada dia que passa, agora, me aproxima de si. (…) Eu também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos amigos, reencontramo-nos noivos. Que profunda, grave, séria diferença! Enquanto a gente se escreve, num tom de alegre felicidade, gracejando por vezes, falando de sentimentos e dando «notícias do coração» – «a coisa» parece apenas uma «flirtation» (…) Mas quando se pensa bem! Há então nessa coisa como uma severidade quase religiosa, uma sacro-santidade que assusta e perturba. Duas almas que se unem para sempre e que, tendo individualidades diferentes, não podem jamais tornar a ter interesses diferentes!
Eça de Queirós, em Carta a Emília de Rezende (1885).
Fonte: http://homoliteratus.com/10-cartas-de-amor-de-grandes-escritores/
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