Meu Bebé, meu Bebezinho querido:
Sem saber quando te entregarei esta carta, estou escrevendo em casa, hoje, domingo, depois de acabar de arrumar as coisas para a mudança de amanhã de manhã. Estou outra vez mal da garganta; está um dia de chuva; estou longe de ti — e é isto tudo o que tenho para me entreter hoje, com a perspectiva da maçada da mudança amanhã, com chuva talvez e comigo doente, para uma casa onde não está absolutamente ninguém. Naturalmente (a não ser que esteja já inteiramente bom e arranje as coisas de qualquer modo, o que faço é ir pedir guarida cá na Baixa ao Marianno Sant’Anna, que, além de ma dar de bom grado, me trata da garganta com competência, como fez no dia 19 deste mês quando eu tive a outra angina.
Não imaginas as saudades de ti que sinto nestas ocasiões de doença, de abatimento e de tristeza. O outro dia, quando falei contigo a propósito de eu estar doente, pareceu-me (e creio que com razão) que o assunto te aborrecia, que pouco te importavas com isso. Eu compreendo bem que, estando tu de saúde, pouco te rales com o que os outros sofrem, mesmo quando esses «outros» são, por exemplo, eu, a quem tu dizes amar. Compreendo que uma pessoa doente é maçadora, e que é difícil ter carinhos para ela. Mas eu pedia-te apenas que «fingisses» esses carinhos, que «simulasses» algum interesse por mim. Isso, ao menos, não me magoaria tanto como a mistura do teu interesse por mim e da tua indiferença pelo meu bem-estar.
Amanhã e depois, com as duas mudanças e a minha doença, não sei quando te verei. Conto ver-te à hora indicada amanhã — às 8 da noite ou de aí em diante. Quero ver, porém, se consigo ver-te ao meio-dia (embora isso me pareça difícil), pois às 8 horas quem está como eu deve estar deitado.
Adeus, amorzinho, faz o possível por gostares de mim a valer, por sentires os meus sofrimentos, por desejares o meu bem-estar; faz, ao menos, por o fingires bem.
Muitos, muitos beijos, do teu, sempre teu, mas muito abandonado e desolado.
Fernando Pessoa, em Carta a Ofélia Queiroz (28 Mar 1920).
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